segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Capítulo 2 - Ao entardecer

Ao sair daquele lugar que havia me abrigado durante quase cinco décadas, e ser mandado embora sem qualquer reconhecimento, me sentia o último dos homens.
Lembro-me que caminhei uns dez metros me afastando do portão da fábrica e depois me virei para dar uma última olhada naquele lugar.
Estavam todos os meus amigos olhando por de traz daquele alto e velho portão, era uma grande honra que os meus únicos amigos daquele lugar eram os 2 faxineiros da fábrica ( seu Carlos e seu irmão Tadeu) e os 4 cozinheiros ( Paolo, Nicanor, Adamastor e Roberto). Alias, como eu vou sentir saudade das piadas do grande e imprevisível Adamastor. Era quase sempre a mesma coisa, ele vinha até a minha bancada de costura com o meu prato e sempre de bom humor, vinha com uma piada deveras sem graça, mais que eu sempre ria, devido a empolgação que ele sentia ao contar aquela pérola. Acho até que se não fosse o Dada ( sim esse era o apelido dele) que contasse aquelas piadas, elas teriam em mim um efeito não muito agradável e acabaria por me exacerbar.
Paolo já era um pouco mais sério, de cabelos negros e com um ar de superioridade para com aqueles que não aprovassem os seus pratos. A nossa amizade nasceu devido mais ao meu paladar do que propriamente a minha simpatia por ele. Eu simplesmente amava tudo o que Paolo fazia naquela velha cozinha, de modo que sempre que ele tinha uma nova receita, o primeiro a experimentar era eu. A nossa amizade havia ficado sólida com os constantes elogios que eu fazia para com as receitas daquele moreno, gordo e ousado chefe de cozinha.
Nicanor já era um pouco mais tímido, e por ter um enorme nariz, ficava o tempo todo no espelho cuidando dos outros atributos da sua face, algo como “Bem, já que o meu nariz não tem mais jeito, a solução é tentar preservar o resto”.
Nicanor se dizia o rei das mulheres, mais em todos os anos em que presenciei a sua trajetória, nunca o observei com uma única mulher, exceto a sua velha mãe que todas as sexta trazia ao seu querido filho uma saborosa torta de banana.
Roberto já era um tanto mais sério e centrado, não usava gírias nem mesmo quando íamos ao bar próximo a fábrica. Era a única pessoa que eu conhecia que ficava mais e mais inteligente conforme bebia. Se ele começava um assunto falando como um professor de primário ele acabava o assunto falando como um PHD de álgebra.
Mais apesar de achar Roberto até um tanto chato em certos momentos, gostava de prestar a atenção em suas observações sobre os problemas do mundo. Acho que ele sabia desse meu interesse pelas suas idéias e por isso que sempre me tratava com respeito e admiração.
Os irmãos Carlos e Tadeu entraram na fábrica quase na mesma época em que comecei a trabalhar nela.
Eram extremamente humildes e sonhadores. Carlos era 5 anos mais velho que Tadeu e tinha um temperamento firme e bondoso. Já Tadeu era mais maleável e quase sempre concordava com as primeiras palavras do irmão, dizendo “ É, isso faz sentido”.
A amizade com os dois irmãos nasceu de aulas que eu lecionava a eles. Logo quando entraram na fábrica eu estava fumando o meu velho cachimbo e eles me pediram uma ajuda para ler um comunicado que estava em um dos muros da fábrica. Eu questionei-os o porque deles não ler aquilo, e eles me disseram que começaram a trabalhar muito cedo e não tiveram tempo de estudar, por isso estavam necessitando de ajuda naquele momento. Ao ler o comunicado para a eles e ter tido uma agradável conversa, sensibilizei-me com a humildade daqueles dois irmãos e decidi ensina-los a ler e escrever.
Me lembro como se fosse hoje as lágrimas nos olhos de Carlos a conseguir ler o 107º comunicado posto nos muros da fábrica, posterior aquele primeiro que fez com que nos conhecêssemos.
Agora os meus amigos estavam me acenando com uma imensa tristeza e esperando o fim daquele dia para conversarmos um pouco sobre a vida e sobre a minha demissão.
A nossa conversa naquele final de tarde foi muito boa e carregada de amizade e afeto.
Mais para a minha surpresa, aquele não foi o acontecimento que iria mudar, e para sempre o rumo da minha vida. Naquela mesma noite do dia da minha demissão, tive o meu primeiro contato com Orestes.

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